sábado, 10 de setembro de 2011

Excertos da Tese: Avaliação da genotoxicidade do cloreto de metilmercúrio em duas espécies de peixes neotropicais

Horizontes do solo.

Num levantamento realizado na década de 1980, por pesquisadores do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, em várias áreas de garimpo do Pará, Mato Grosso e Goiás, foi detectada uma relação de aproximadamente dois gramas de mercúrio para cada grama de ouro. Portanto, se levarmos em consideração que a produção real (produção oficial mais aquela não computada) de ouro por garimpagem na região de 1980 a 1988 foi de aproximadamente 900 toneladas, tivemos um lançamento de mercúrio na ordem de 1.800 toneladas ao meio (Rocha & Canto-Lopes, 2002).
Não há dúvida de que a liberação de mercúrio a partir de atividades dos garimpos de ouro contribuiu para aumentar localmente suas concentrações ambientais, mas em relação a toda a Amazônia, essas cargas seriam quase insignificantes, considerando-se altas concentrações observadas por alguns pesquisadores em solos distantes das áreas de garimpo. Um processo razoável que deve explicar essas elevadas concentrações no solo é que horizontes B funcionam como uma esponja que acumula mercúrio durante um período de tempo geológico, liberando-o de volta ao ciclismo por ocasião de erosões e incêndios florestais (Wasserman et al., 2003).
Figura 1 – (O) horizonte orgânico; (A) horizonte rico em atividade biológica, participando da humificação da matéria e da ciclagem de nutrientes; (B) horizonte iluvial, caracterizado por maior concentração de argila, com menor teor de matéria orgânica, bastante afetado pelos processos de formação do solo e que recebe, por infiltração da água, a influência das camadas superficiais; (C) material de origem (rocha-mãe) em decomposição (Andrade et al., 2004). Desenho: Nonato Reis (2009).

Origem e ciclo global do mercúrio no ambiente.
Por apresentar uma espécie química estável na atmosfera como sua forma volátil, o vapor de mercúrio (Hg0) pode ser transportado em escala global, afetando áreas remotas naturais longe de fontes pontuais de contaminação (Lacerda & Malm, 2008).
No ciclo atmosférico, também chamado ciclo global, ocorre a circulação de espécies voláteis de mercúrio, como o dimetilmercúrio, (CH3)2Hg, e o mercúrio elementar, Hg0, liberadas de fontes naturais e antropogênicas. Pouco se conhece a respeito das reações da fase gasosa dessas espécies na atmosfera, mas tudo indica que ocorre um processo de oxidação fotoquímica, através do qual formas pouco solúveis em água sejam convertidas em espécies mais solúveis (WHO, 1990).
Nos sedimentos do fundo dos rios as concentrações de mercúrio observadas são relativamente baixas, demonstrando que o meio aquático não é uma via de transporte importante para este elemento (Lechler et al., 2000). Entretanto, particulados ricos em Hg2+ são transportados para o sedimento, onde o metal pode ser metilado por bactérias sulfato-redutoras (Bisinoti & Jardim, 2004).

Figura 2 – Origem e ciclo global do mercúrio no ambiente. Desenho: Nonato Reis (2009).

Metilação do mercúrio inorgânico.
           A alquilação é a notável transformação que o mercúrio inorgânico pode sofrer, levando à formação do metil ou do dimetilmercúrio com as interconversões correspondentes, sendo de fundamental importância para a avaliação da contaminação local por mercúrio (Tena, 1981).
          Nas camadas superiores do sedimento, que são biologicamente ativas, o mercúrio bivalente é, em parte, metilado por bactérias bênticas a metilmercúrio e depois a dimetilmercúrio, o que eleva sua capacidade para vencer membranas biológicas (Figura 3). Nas camadas inferiores do sedimento o mercúrio é inativo, principalmente sob a forma de sulfeto de mercúrio. Já o metilmercúrio irá se integrar nas cadeias tróficas ou, se as condições de pH forem apropriadas, dará origem ao dimetilmercúrio, o qual por ser insolúvel e volátil passará à atmosfera e será recolhido nas águas das chuvas. Se estas forem ácidas, o dimetilmercúrio irá se transformar no metilmercúrio, retornando ao meio aquático e, assim, completando o ciclo (Azevedo, 2003).


Figura 3 – Metilação do mercúrio inorgânico.
Elaboração: Carlos Rocha e Nonato Reis (2009).

Bioacumulação e Biomagnificação do metilmercúrio.

            Sempre que um organismo contaminado por mercúrio ocupa um nível inferior em uma cadeia trófica, seu predador absorverá aquele mercúrio orgânico, mas revelará concentrações comparativamente aumentadas – biomagnificação. Esse termo se refere à acumulação de alguns metais pesados (e algumas outras substâncias) por níveis tróficos sucessivos. Em estudo que avaliava a presença de Hg em diversos tipos de peixes, em ambiente contaminado, observou-se que o metal se concentrava mais intensamente à medida em que se crescia na cadeia alimentar: os peixes vegetarianos apresentavam 6,64 ppm; os peixes que se alimentavam de invertebrados, 12,4 ppm; os onívoros, 26,6 ppm; e os piscívoros, 40,2 ppm (Boening, 2000).
O homem torna-se um dos principais afetados pela intoxicação mercurial quando usufrui o rio poluído para diversas atividades, como a alimentação, pois os peixes que apresentam os maiores níveis de MeHg são os mais consumidos pelo homem, como o tucunaré e a traíra (Lebel et al., 1998).
            Muitos fatores no ambiente aquático influenciam a metilação do mercúrio e, conseqüentemente, sua biomagnificação. A bioacumulação e a biomagnificação representam processos extremamente complexos e envolvem biogeoquímica e interações ecológicas. Como resultado, o grau de biomagnificação de mercúrio no peixe é difícil de ser prognosticado, embora a acumulação/magnificação possa ser facilmente observada. Desse modo, o mercúrio é transferido e concentrado por intermédio de vários níveis da cadeia alimentar. As cadeias alimentares aquáticas tendem a ter mais níveis tróficos do que as terrestres e, conseqüentemente, a biomagnificação aquática alcança níveis elevados (UNEP, 2002).
Figura 4 – Bioacumulação e Biomagnificação do metilmercúrio.
Elaboração: Carlos Rocha e Nonato Reis (2009).

Colossoma macropomum
Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) – o tambaqui, de hábito onívoro, nativo da Bacia Amazônica, Orinoco e seus rios afluentes, como o Tapajós. C. macropomum, pertencente à família Characidae, constitui-se num dos maiores peixes de valor econômico da região Amazônica. É o segundo maior peixe de escamas e o maior Characiforme do rio Solimões/Amazonas que, no ambiente natural, pode chegar até 100 cm de comprimento e 30 kg de peso (Araújo-Lima & Goulding, 1998). Por possuir carne bastante apreciada pela população local e por apresentar certo declínio na captura em ambiente natural, o tambaqui é a principal espécie cultivada na região Norte, destacando-se na piscicultura de seis dos sete estados da região (Val et al., 2000). Estudos citogenéticos demonstram que C. macropomum apresenta um número diplóide 2n = 54, com o cariótipo composto de 20 metacêntricos e 34 submetacêntricos, e um número fundamental (NF) de 108 (Almeida–Toledo et al., 1987; Nirchio et al., 2003).


Figura 5 – Espécime de Colossoma macropomum.
Foto: Carlos Rocha (2008).

Aequidens tetramerus
Aequidens tetramerus (Heckel, 1840) – o acará sela (Figura 5), de hábito carnívoro (mais precisamente piscívoro) é amplamente distribuído na bacia do Rio Amazonas, incluindo rios do Peru, Colômbia, Equador, Brasil e Bolívia. Também ocorre no Rio Tocantins, Rio Parnaíba, na Guiana Francesa, Suriname, Guiana, e na bacia do Rio Orinoco. A análise cariotípica realizada em A. tetramerus revelou a presença de 48 cromossomos, fórmula cariotípica 8M-SM+40ST-A (Ribeiro, 2007).
Figura 6 – Espécime de Aequidens tetramerus.
Foto: Carlos Rocha (2009).

Aclimatação dos animais
Os peixes, de ambas as espécies, foram mantidos em aquários, sob manejo, no Laboratório de Biologia Aquática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), em Belém – PA.
Figura 7 - Visão geral dos aquários no Laboratório de Biologia Aquática do IFPA, onde ocorreram os períodos de aclimatação e exposição dos animais.
Foto: Carlos Rocha (2008).

Tratamento dos animais e obtenção do sangue para os bioensaios

Tambaquis e acarás foram submetidos ao tratamento com metilmercúrio na concentração inicial de 2 mg.L-1. As duas espécies de peixes foram contaminadas a partir da água (via hídrica). Decorrido o período de aclimatação, cada bioensaio teve início.

Figura 8 – Visão de aquários no Laboratório de Biologia Aquática do IFPA, por ocasião da exposição dos animais ao metilmercúrio. Foto: Carlos Rocha (2008).

           Para a obtenção do sangue, os peixes foram primeiramente anestesiados com gelo, por cerca de 3 minutos (Normann et al., 2008). Em seguida, com o auxílio de uma seringa heparinizada, o sangue foi coletado, sendo 1 mL de sangue periférico de cada animal armazenado em microtubos de 1,5 ml, para o Ensaio Cometa. Uma gota de sangue, da mesma seringa, foi colocada em lâmina e imediatamente feito o esfregaço para o teste do micronúcleo (foram confeccionadas duas lâminas de cada animal).

Figura 9 – Esquema resumido dos bioensaios.
Desenho: Carlos Rocha (2009).


Figura 10 – Resumo das sucessivas etapas que integram o Ensaio cometa.
Desenho: Carlos Rocha (2009).


Figura 11 – Eritrócitos de Colossoma macropomum. A seta aponta um micronúcleo.
Foto: Carlos Rocha (2009).

Figura 12 – Frequência de nucleóides por classe de danos em Aequidens tetramerus expostos ao metilmercúrio 2 mg.L-1.